Sexta Dissonante: Especial Campeãs - Portela

Senhoras e senhores, depois de um tenebroso e longo inverno, a Sexta Dissonante está de volta. Em decorrência do querido editor-chefe estar envolvido com o Carnaval Show, programa que apresenta na Rádio Show do Esporte, a coluna (e não só ela, como todo o blog) ficou parada por mais de um mês. E com a volta do palco mais melódico das suas sextas, retomamos a série que homenageia as campeãs de 2017 no Rio e em São Paulo. Após a coluna que abriu caminhos para a campeã paulistana Tatuapé, faltava a campeã do Rio... quer dizer, as campeãs. Como se sabe, a LIESA decidiu pela divisão por conta do destaque que o jurado disse não ver. Mas isso é outra história. Para voltar com chave de ouro, lá vem ela, a águia altaneira de Oswaldo Cruz e Madureira, que findou seu calvário de 33 anos sem taça.

No palco da Sexta Dissonante, lá vem a soberana Majestade do Samba, vinte e duas vezes campeã do carnaval carioca... Portela!

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O primeiro bloco de carnaval em Oswaldo Cruz foi fundado por Paulo da Portela e chamava-se "Ouro sobre azul". Não era exatamente um bloco de samba, e sim de marcha-rancho. O samba só chegou a Oswaldo Cruz com as festas na casa de Napaleão José do Nascimento, pai de Natal, que sucederia Paulo da Portela na presidência da escola. Natal é considerado o primeiro bicheiro carioca, responsável pelo estreitamento das relações entre o jogo do bicho e as agremiações de samba do Rio de Janeiro. A chegada de Dona Esther no bairro também foi muito importante. Muito festeira, sua casa se tornou o centro da vida social do bairro. Por ali passaram alguns dos nomes mais importantes da história da música brasileira, como Donga e Pixinguinha. Foi lá, por exemplo, que Candeia teve seus primeiros contatos com o samba. Dona Esther fundou um bloco muito famoso na região, o "Quem fala de nós come mosca", um dos principais embriões da Portela.

Em 1923, alguns jovens resolveram fundar outro bloco na região, o "Baianinhas de Oswaldo Cruz", mas o grupo não demorou muito a se dissolver devido a uma briga interna. Com o desentendimento, parte dos integrantes deste bloco formou outra agremiação carnavalesca, o "Conjunto de Oswaldo Cruz". No final da década de 20, o grupo receberia o reforço de Heitor dos Prazeres, que sugeriu um novo nome: "Quem nos faz é o capricho". Em 1930, Heitor foi afastado do bloco por desentendimentos com o grupo, que no ano seguinte muda novamente de nome para "Vai Como Pode", porque apesar de vários problemas conseguiu desfilar naquele ano. Logo a escola de samba que nascia ali ganhou sua primeira bandeira. As cores azul e branco foram escolhidas, em homenagem ao manto de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da escola. Como símbolo, a ave que voa mais alto, a águia.

No dia 1º de maio de 1934, ao receber os dirigentes da Vai Como Pode que pretendiam renovar a licença de funcionamento, o delegado Dulcídio Gonçalves fez uma proposta inesperada: a mudança do nome da escola. Alegou que não ficava bem uma grande escola de samba ostentar um nome tão chulo como Vai Como Pode. Paulo da Portela, embora nunca fosse chamado de Paulo da Vai Como Pode, tentou defender o antigo nome, segundo ele, sugerido pela própria polícia. O delegado, porém, sustentou que não renovaria a licença de nenhuma escola chamada Vai Como Pode. E sugeriu um nome que, segundo ele, tinha a pompa adequada para uma escola de samba daquele nível: Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela. Diante das circunstâncias, a proposta foi aceita. Com o enredo "O Samba Dominando o Mundo", a antiga Vai como Pode, agora Portela, entrou para a história como vencedora do primeiro desfile oficial do Rio, em 1935.

A Portela contribuiu de várias maneiras para o carnaval carioca neste período. Foi a primeira escola que usou alegoria, e introduziu também a caixa-surda, o reco-reco, a comissão de frente uniformizada, o destaque e o apito da bateria. A década de 40 foi marcada pelo heptacampeonato da Portela, conquistado entre os anos 1941 e 1947. Foi ali que a escola ganhou fama de gloriosa e colecionadora de títulos. A de 50 não foi diferente: terminou com o tetracampeonato de 57, 58, 59 e 60. Nos anos 60, a águia venceu em 62, 64 e 66, com destaque especial para este último ano, com o enredo "Memórias de um sargento de milícias", contado em um samba de Paulinho da Viola.



Em 1970, a escola levou o primeiro lugar com o clássico enredo "Lendas e mistérios da Amazônia". Dez anos depois, foi campeã com "Hoje tem marmelada" - dividindo com Imperatriz e Beija-Flor, e em 1984, na estréia do sambódromo e primeiro ano dos desfiles em dois dias, venceu o desfile de domingo com o enredo "Contos de areia". Mas a Mangueira, que venceu o desfile de segunda-feira, acabou sagrando-se "supercampeã" naquele ano. Em 1985, mais um desentendimento interno motivou o surgimento da Tradição - que curiosamente, reeditou o enredo portelense de 1984 exatos vinte anos depois.



Desde aquele momento a águia não conseguiu emplacar os grandes resultados de outrora. Alguns bons desfiles - como o de 1991, com o enredo "Tributo à vaidade", e o de 1995, com "Gosto que me enrosco" fizeram os portelenses relembrarem os velhos tempos em que a escola dominava a folia de momo e os encheram de esperança, mas não foram suficientes para fazer a azul e branco de Oswaldo Cruz voltar ao topo do carnaval carioca.

Em 2005, a escola realizou o pior desfile de sua história. Além de apresentar no seu tradicional abre-alas uma águia sem asas, a sua Velha Guarda, que viria atrás do último carro (que quebrou e foi impossibilitado de atravessar a avenida), acabou impedida de desfilar, já que a sua passagem faria com que a Portela perdesse pontos na cronometragem. A tristeza dos integrantes da Velha Guarda Portelense logo após o caótico desfile comoveu o Brasil. Por muito pouco a escola não foi rebaixada para o Acesso A, terminando na décima terceira posição. Três anos depois, com um enredo sobre a preservação da natureza, a Portela conquistou a quarta colocação, voltando a desfilar no Sábado das Campeãs depois de dez anos. A boa fase persistiu em 2009, com o enredo sobre o amor rendendo o terceiro lugar, ficando apenas a um décimo da vice-campeã Beija-Flor - a azul e branca poderia ter ficado com o vice-campeonato, mas o perdeu na última nota.

A um mês dos desfiles de 2011, um incêndio na Cidade do Samba destruiu o barracão da Portela, além de prejudicar também União da Ilha e Grande Rio. As três escolas foram consideradas hors-concours pela LIESA e não foram julgadas. Após a volta ao Sábado das Campeãs em 2012, a águia voltou a ser cotada como favorita em 2014, pois a agremiação fez uma apresentação impecável, como há muito tempo não se via na Portela. Entretanto, a Portela terminou no terceiro lugar - para muitos foi injusto. No ano seguinte, apresentou o inesquecível abre-alas da Águia Redentora em enredo que homenageava os 450 do Rio de Janeiro. Para 2016, conseguiu unir bem a tradição com a ousadia do carnavalesco Paulo Barros, mas a quebra do jejum ainda não aconteceu - novamente no terceiro lugar.



A Portela vinha em franca recuperação nos últimos carnavais muito por conta de Marcos Falcon, então vice-presidente e mentor do movimento "Portela Verdade" que vencera as eleições de 2013 e que fez crescer a autoestima do portelense. Considerado por muitos o maior dirigente da Águia depois de Natal, o policial e sargento da PM Falcon, que pouco antes assumira a presidência da escola, foi assassinado em 26 de setembro de 2016 em frente ao seu comitê eleitoral em Madureira, pois era candidato a vereador no Rio de Janeiro pelo Partido Progressista. A perda de Falcon inflamou os componentes da azul-e-branco que, resignados, procuraram honrar o legado de Falcon e adentraram a pista da Sapucaí para realizar um belíssimo desfile para o enredo "Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar", mais uma vez desenvolvido por Paulo Barros. Após a leitura das notas marcada por uma acirrada disputa décimo a décimo com a Mocidade, o grito preso na garganta há décadas enfim pode ser solto. Pela primeira vez, uma geração inteira via a Portela ser campeã, quebrando um incômodo tabu de 33 anos. A águia estaria comemorando um título sozinha depois de 47 anos, mas a polêmica envolvendo as justificativas do julgador Valmir Aleixo que resultou na divisão do título com a verde e branca de Padre Miguel, acabara adiando este outro tabu.

Vamos abrir passagem para a águia altaneira! Aperta o play, Portela!

























E, por fim, um dos sambas campeões do Grupo Especial em 2017



Salve o samba, salve a santa, salve ela! Salve o manto azul e branco da Portela! Águia altaneira triunfal, vinte e duas vezes campeã do carnaval.

Na próxima edição da Sexta Dissonante, a outra campeã: Mocidade Independente de Padre Miguel

Fonte: Sambario / Imagem: IstoÉ

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