Reais e Surreais: Maratona de Análises - São Paulo (Grupo Especial)

(por Renato Bilotta)

Iniciando a maratona de análises, começaremos com a famosa Terra da Garoa, onde serão comentados tanto o Grupo Especial quanto o Grupo de Acesso paulistano, totalizando no total 22 faixas. Nessa primeira parte temos as 14 faixas do grupo principal. Boa leitura!



GRAVAÇÃO DO CD  —  Como o de costume a Liga SP lançou os sambas do especial e do acesso em um CD duplo, tendo parceria com o jornal Diário de São Paulo para a distribuição em pontos da capital pelo preço de 20 reais. Nada tão caro, mesmo que há alguns anos atrás por esse preço você levava o CD e uma revista detalhando os enredos também. A gravação das faixas mantém a qualidade dos anos anteriores, priorizando a voz do intérprete e adicionando bossas ao longo das faixas, além de corais e participações especiais. As introduções não são longas e se adaptam bastante ao enredo das escolas, com destaque para as participações especiais de Fagner e Grazzi Brasil nas faixas da Dragões da Real e Vai-Vai respectivamente. Os únicos poréns são a duração precisamente cronometrada em 5 minutos e 37 segundos para cada faixa e uma certa artificialidade nas faixas, algo que não aparecia em SP desde 2011. NOTA DA GRAVAÇÃO: 9,7

SAFRA  —  As disputas de sambas (e os enredos) impactaram positivamente na criação das obras. Num primeiro pelotão temos Vai-Vai e Dragões disputando a dianteira do CD com obras fantásticas e que devem incendiar o Anhembi, após elas temos um segundo grupo contendo Tatuapé, Peruche, Império, Tom Maior, Vila Maria com boas obras que irão ajudar a embalar o folião e a arquibancada pelos 65 minutos de desfile. Já Tucuruvi, Rosas e Nenê tem bons sambas com qualidade inferior às do segundo grupo, mesmo que sejam agradáveis de escutar. Na cauda da disputa temos Gaviões e Mancha que trazem sambas medianos que alternam entre bons e maus momentos, podendo complicar caso peguem um Anhembi muito quente ou frio. E disparadíssima na lanterna de 2017 temos a Águia de Ouro com um hino que torceu o nariz de quase todo o mundo do samba, que será detalhado mais adiante. Num geral podemos dizer que a safra está boa sim, mas não excelente. NOTA DA SAFRA: 9,5

Assim há de brilhar o novo mundo
Feito uma prece de criança
E de alma lavada cantar, numa só voz


IMPÉRIO DE CASA VERDE — Atual campeã do carnaval, a nem-tão-caçula-do-samba vem com uma obra encomendada para 2017. Composta por figurinhas carimbadas do carnaval paulistano como Turko, Maradona e Aquiles da Vila o tigre guerreiro trás uma obra agradável mesmo inferior se comparada a 2016. Podemos observar que o samba tenta sair do lugar comum ao falar sobre a paz, com destaque para as duas últimas linhas enquanto que a segunda parte é mais valente e envolvente, com destaque para o trecho acima que é a consagração e o ponto alto do samba. Entretanto, os refrões são fracos comparados ao resto, principalmente o principal que peca num “juntos num só ideal” que destoa do resto da obra melodicamente. Destaque também para outra apresentação de gala de Carlos Júnior e do coral de crianças no início da faixa. Se eu fosse as concorrentes ficaria de olhos bem abertos para o Império de Paz que irá passar dia 25 de fevereiro. NOTA DO SAMBA: 9,9

Eu sou a África, derramo meu axé
Canta Tatuapé


ACADÊMICOS DO TATUAPÉ —  Depois de conseguir a melhor classificação de sua história, o Tatu da Zona Leste segue em busca do título inédito com um enredo afro saudando o Zimbábue. Já de cara podemos notar que o hino tem uma boa variedade melódica, alternando entre os tons baixos e altos, o que dá mais vivacidade ao samba. Já de início temos uma primeira parte mais baixa que o resto do samba retratando a mãe áfrica, com destaque para “Sou eu…a negra mãe da humanidade/Em meu ventre a verdade, humildade e amor” e a ponte melódica entre “Coroado num só coração” e “Bate o tambor, deixa girar”. A segunda parte é mais pra cima e fecha bem a obra, desaguando então para o contagiante “É de Arerê” que deve animar o Anhembi no dia 24. O único “mas” que se pode pontuar é a quantidade de palavras que são alongadas (tais como “raiou”, ”sou eu”, “girar”, “pra exaltar”, “em poesia”), além da métrica comer um pouco do refrão do meio na parte “Um canto livre de amor/Na fé, na religião” mas nada que prejudique a escola. É de louvar a apresentação de Celsinho Mody, que está em seu auge e (se Deus quiser) ficará na escola por um bom tempo, acompanhado pela tradicional aparição de Leci Brandão e de Dominguinhos do Estácio (que defendeu a obra nas eliminatórias fechadas). NOTA DO SAMBA: 9,9

A voz que revela o caminho
Me diz que sozinhos não somos ninguém


MOCIDADE ALEGRE  —  Completando 50 anos esse ano, a Morada do Samba vem planejando falar de si através do famoso slogan de sua presidente, Solange Bichara: “A vitória vem da luta, a luta vem da força, e a força da união”. Para isso, dá-lhe vitória, luta, força e união no samba da escola. A primeira parte descreve o enredo muito bem, elencando o guerreiro que tem dentro de cada componente da escola, com destaque para cabeça que começa com uma bonita melodia levando pra um refrão que reforça o que já foi dito. Mesmo que a segunda parte mantenha o nível parece que a obra se perde um pouco ao falar sobre Kizomba e Zumbi pra retomar numa homenagem à escola (parafraseando o hino “Lá vem ela…” que a Mocidade tem) além de que o “Deixa quem quiser falar” não se encaixa muito com o perfil da escola (eu esperaria essa frase na Vai-Vai ou no Camisa por exemplo) mas nada que prejudique a escola. Tiganá faz uma boa estréia na Mocidade, ajudado pelo sempre competente e retornante ao carnaval paulistano Ito Melodia. Será que em 2017 a união trará a força necessária para a escola do Limão lutar e ganhar o caneco? NOTA DO SAMBA: 9,8

Eu vou lavar a alma nas águas de Oxalá
E sinto que o amor resplandeceu
O bem e o dom que Deus lhe deu


VAI-VAI  —  Antes de falar qualquer coisa devo salientar que este samba não é uma pedrada, mas sim uma pedreira inteira. Se em 2016 a Vai-Vai veio com um bom samba que esfriou na hora H, 2017 vem com sede de botar tudo abaixo ao melhor estilo Saracura. Já no refrão principal podemos ver que não se trata de apenas um samba sobre Mãe Menininha do Gantois, mas sim d’O samba sobre Mãe Menininha do Gantois. Passando para a primeira parte temos um perfeito entrosamento entre métrica, melodia e letra que dá vontade de cantar e não parar. O segundo refrão tem uma composição interessante entre a pausa e a rapidez onde os dois primeiros versos são mais calmos e o terceiro desce o tom pra depois subir na segunda parte. É digno de aplausos a apresentação de Grazzi Brasil como voz principal ao lado de um inspiradíssimo Wander Pires que não se via a muito tempo, o que faz a faixa ficar melhor ainda. Se a Escola do Povo seguir o caminho que a mãe sempre quis no final dele deve estar o 16º título esperando-a. NOTA DO SAMBA: 10

Pátria mãe gentil
Não deixe de exaltar a padroeira


UNIDOS DE VILA MARIA —  Comemorando os 300 anos da aparição de Nossa Senhora Aparecida em terras tupiniquins, a Vila Mais Famosa vem como uma procissão para o carnaval 2017 com direito à participação do padre Reginaldo Manzotti na introdução da faixa. Construída em tom menor, a melodia se encaixa muito bem com o enredo, especialmente no trecho “Num choro incontido, um nó na garganta/A história marcada em devoção”. Já o refrão do meio cresce com a repetição do “Oh senhora”, que prepara pra mudança melódica dos versos posteriores. Em seu 4º ano consecutivo na escola do Jardim Japão, Clóvis Pê tem outra atuação boa e sintonizada com a bateria de Mestre Moleza. Para uma escola que quase apanhou o título em 2007 e 2008, talvez um pouco de fé é o que falta para finalmente levar o caneco. NOTA DO SAMBA: 9,8

Eu sou Dragões
É Asa Branca embalando gerações


DRAGÕES DA REAL  —  Depois de desfiles alegres e obras pouco expressivas, a Dragões mudou completamente a sua linha de enredo e de sambas. Para cantar a vida do sertanejo nordestino em busca de um lugar melhor a escola da Vila Anastácio apostou num samba forte e que deve ser o trunfo na avenida. Pra começar temos a caracterização da dificuldade do sertanejo em plantar e criar gados em sua terra que de “tanto ‘oiá’ o Sol ‘queimá’ a terra” resolve pegar suas coisas e ir para a cidade grande, desaguando num refrão central com uma bela melodia e bastante bonito. A segunda parte é a do catarse após os três primeiros versos o samba entra em versos de felicidade ímpar pra mostrar a esperança do nordestino em voltar à sua terra natal, os quais transcrevo aqui: “Espero do céu, o relampejar/A chuva cair, o pranto secar/Seus olhos hão de refletir/O renascer da plantação/Não chore não, viu/Que eu ‘vortarei’, viu/Pro meu sertão”. Não há o que contestar nesse samba arretado. Como adicionais, a participação de Fagner junto com o Chambinho do Acordeon e ao irrepreensível Renê Sobral em sua nova casa fazem a faixa ser melhor ainda. Quem sabe se na horta da Dragões não chova e floresça o seu primeiro título? NOTA DO SAMBA: 10


Eu vim de longe pra mostrar meu valor
Trago esperança e amor dentro do peito


GAVIÕES DA FIEL —  Querendo voltar aos tempos áureos de sua história, a Gaviões vem também falando sobre os migrantes, mas nesse caso não só os nordestinos. Com um samba mediano, a escola do Bom Retiro pode descansar e provavelmente não terá problemas. Tanto a letra quanto a melodia não tem brilho, o que acaba levando à faixa ser escutável mas nada que peça um bis, além de ser um tanto quanto genérico (se você retirar as menções à escola você poderia colocar esse samba em qualquer escola). O sempre competente Ernesto Teixeira cumpre o seu papel e faz a faixa ser mais agradável. Só na quarta-feira de cinzas poderemos ver o esforço do Gavião valeu a pena. NOTA DO SAMBA: 9,7


Como faz Luiza Mell
Defendam todos os animais


ÁGUIA DE OURO — Com um samba que torce o nariz de grande parte da comunidade carnavalesca, a escola da Pompéia tentará o seu primeiro título falando sobre o melhor amigo do homem: os cachorros. A obra encomendada tenta não ser trash mas falha. Miseravelmente. Se a melodia não tem tantos problemas, a letra compensa isso com versos do tipo “Repleto de tantas confusões”, “Picadeiro não é mata/Nem piscina é oceano”, além do refrão central e o trecho mais criticado que você pode ver em destaque acima. Os experientes Douglinhas e Fernandinho SP até que tentam salvar a própria obra que compuseram, mas o esforço ao menos tornou a faixa mais “audível”. Se a Águia da Pompéia não quer roer osso na quarta-feira de cinzas vai ter que mostrar muito serviço na avenida, ou pode ser pega pela carrocinha do Grupo de Acesso em 2018. NOTA DO SAMBA: 9,4

A águia encontra a gralha azul


NENÊ DE VILA MATILDE  —  Buscando melhores posições, a tradicional Águia da Zona Leste traz uma homenagem à cidade paranaense de Curitiba. A obra apresenta bons momentos como a primeira parte e o refrão central (que conta com uma bossa deliciosa), já a segunda parte e o refrão principal são regulares e cumprem com o seu papel. A faixa ganha um molho a mais pelo vozeirão de Agnaldo Amaral e a Bateria de Bambas. Vamos ver se em 2017 a escola finalmente volta ao sexta-feira das campeãs, local que não ocupa a quase 10 anos. NOTA DO SAMBA: 9,8

Eu vou me emocionar, ao ver você aplaudir
“É nois”, Tucuruvi!


ACADÊMICOS DO TUCURUVI —  Também almejando posições melhores, a simpática Zaca vem cantando a arte feitas nas ruas, o que gerou aquele famoso samba “bonitinho mas ordinário”. Ele não tem nada demais e descreve bem a sinopse, entretanto não é exatamente um pula faixa também pois é agradável de escutar (principalmente o refrão central). Alex Soares dá as caras pela segunda vez à frente da escola, o que é um belo feito considerando que ele é 6º intérprete a passar na escola nos últimos 7 carnavais. Seguro, ele conduz bem o samba da Tucuruvi. NOTA DO SAMBA: 9,7

A roseira põe a mesa pra você
Eu quero ver um banquete de alegria


ROSAS DE OURO —  Recuperando-se da tropeçada monumental que tomou no carnaval passado (11º lugar), a escola da Brasilândia vem falando sobre o banquete. Para isso, a Roseira vem com um samba que é marca de tempos para cá: melodia dolente e letra “comportada”, o que nesse caso fez a faixa ficar um pouco sonolenta. A primeira parte cumpre muito bem o seu papel e dá um bom gancho para o refrão central, que peca um pouco na repetição do “fé” mas nada que complique a obra. Lembram quando eu disse que esse samba segue ao modelo dos anos anteriores? Isso causa um problema porque o samba é bonitinho mas não tem um momento de explosão, o que acaba esfriando quem escuta, e isso pra desfilar às 7 da manhã é um perigo. De volta ao ninho do qual partiu há longínquos 25 anos, Royce do Cavaco dá um show na gravação, mostrando que mesmo sendo mais “da antiga” não deve em nada para a nova geração de intérpretes. Espero que a Roseira não saia de barriga vazia e boca amarga após a apuração. NOTA DO SAMBA: 9,8

Firma o batuque no terreiro, que a Filial vai passar


UNIDOS DO PERUCHE —  Depois de passar pela prova de fogo que é abrir o dia de desfiles, a Filial do Samba vem com uma bela obra pra cantar sobre Salvador. A melodia é envolvente de cabo a rabo e aletra também não deve em nada. Pra começar já temos na transição do refrão pra primeira parte uma mudança bem gostosa de escutar, seguindo pelo “Marejou Moema…” até chegar num refrão central contagiante prosseguindo por uma segunda parte igualmente boa, mesmo que eu ache estranho a mudança melódica que fizeram em “capoeira camará” pra um tom menos baixo que o defendido pelo Celsinho nas eliminatórias. O sempre elegante Toninho Penteado garante outra apresentação boa para a escola. Se depender da alegria do povo de Salvador, a Peruche vai comemorar e se divertir bastante em 2017. NOTA DO SAMBA: 10


Eu sou a face da grandeza dessa povo
A metamorfose dessa pátria mãe gentil
Muito prazer, Zé do Brasil!


MANCHA VERDE — Voltando novamente para a elite do carnaval paulistano, a Mancha presta uma saudação a todos os Josés (para os íntimos, Zés) que fizeram história no Brasil. Entretanto a obra escolhida é bem inferior às já apresentadas pela escola em anos anteriores e facilmente pode se dizer que é a mais fraca do conjunto que a escola apresenta desde 2003. Pontuado isso, tenho que dizer que se trata de um samba mediano que não deixa saudades depois do carnaval. A melodia até se destacada no refrão central, mas só alí, já a letra tem um belo momento no trecho destacado acima. Freddy Vianna continua em alto nível junto a uma boa apresentação da Bateria Puro Balanço. Se a escola mais querida quiser voltar a fincar raízes no grupo especial vai ter que mostrar um chão competente e uma boa plástica (o que não é difícil). NOTA DO SAMBA: 9,7

Esse forró tá gostoso, arretado demais
Puxa o fole sanfoneiro, arrasta o pé rapaz


TOM MAIOR  —  Também se recuperando da queda sofrida em 2015, a vermelha e amarela do Sumaré vem com um samba animado sobre Elba Ramalho para tentar se firmar novamente no grupo. Esse tipo de samba é aquele que tu quer escutar dançando já no refrão principal que é fácil de cantar e que provavelmente deve quebrar o gelo que é a arquibancada quando a primeira escola da noite passa. A melodia pra cima ajuda bastante a manter o samba “pra frente”, o que facilita pelo fato que já falei. Um destaque grande é o refrão central que também é bom e deve contagiar os foliões, além da “jogada” que é feita no início da segunda parte. Ponto positivo para o intérprete Bruno Ribas, em sua segunda passagem pelo carnaval de São Paulo (a última vez foi em 2008, pela Império de Casa Verde) e também para o final da faixa onde é entoado a hino da escola em ritmo de forró. Vamos ver então se toda gente que é feliz saberá de cor cantar este belo samba que a Tom Maior fez para nós. NOTA DO SAMBA: 9,9

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