Reais e Surreais: Maratona de Análises - São Paulo (Grupo de Acesso)

(por Renato Bilotta)

No segundo post da nossa compilação, analisarei as 8 faixas que compõem o Grupo de Acesso Paulistano. Boa leitura!



GRAVAÇÃO DO CD — Como o de costume a Liga SP lançou os sambas do especial e do acesso em um CD duplo, tendo parceria com o jornal Diário de São Paulo para a distribuição em pontos da capital pelo preço de 20 reais. Nada tão caro, mesmo que há alguns anos atrás por esse preço você levava o CD e uma revista detalhando os enredos também. A gravação das faixas mantém a qualidade dos anos anteriores, priorizando a voz do intérprete e adicionando bossas ao longo das faixas, além de corais e participações especiais. As introduções não são longas e se adaptam bastante ao enredo das escolas, com destaque para a abertura das faixas da Pérola Negra, X-9 Paulistana e da Camisa Verde e Branco. Os únicos poréns são a duração precisamente cronometrada em 5 minutos e 37 segundos para cada faixa e uma certa artificialidade nas faixas, algo que não aparecia em SP desde 2011. Uma curiosidade no caso deste CD é a posição invertida da primeira a última escola: enquanto a Pérola Negra é a primeira a aparecer no disco, ela será a última escola a se apresentar no Anhembi, enquanto que a Estrela do Terceiro Milênio que é a última a tocar será a primeira a pisar na avenida no dia 26 de fevereiro. NOTA DA GRAVAÇÃO: 9,7

SAFRA — Seguindo o Grupo Especial, o Grupo de Acesso conta com bons enredos e sambas: de 8 sambas temos 3 reedições, 2 sambas ótimos e 2 mediano e 1 abaixo da média. Lutando pau a pau para ser “O” samba do grupo, Independente e Colorado do Brás trazem hinos excelentes que devem ser bastante cantados pelos (ainda poucos) espectadores que assistem aos desfiles de domingo. Já Leandro de Itaquera, Camisa Verde e Branco e Imperador do Ipiranga formam o seu próprio pelotão paralelo ao apostarem em sambas memoráveis de seus respectivos pavilhões. Distante deles temos Pérola Negra, X-9 Paulistana com obras medianas que acabam passando despercebidas em meio ao resto do CD e finalmente temos a Estrela do Terceiro Milênio com um samba de mediano pra fraco. Assim como a do Especial, esta safra está muito boa, mas não excelente, mesmo que as reedições contribuam para se chegar nessa categoria. NOTA DA SAFRA: 9,6

A Zona Oeste mostra a sua raça
Vamos por a mão na massa!


PÉROLA NEGRA — Depois ter dançado na sua volta ao Panteão Paulistano, a Joia Rara do Samba vem cantando sobre as diversas massas existem no mundo: desde a macarronada da Nonna de todo domingo até as procissões religiosas passando pelo próprio Universo. Mediano, o samba consegue unir as diferentes massas sem que empelote toda a letra, mas algumas vezes a construção fica estranha como em “Dou o pensamento o dom de criar/Pro bem ou o mal, o homem escolherá” que não tem ligação nenhuma com os versos anteriores ou posteriores. Os refrões seguem o resto do samba, o que faz com que o desejo de pular a faixa aumente. Como destaques temos os versos “A Joia Rara faz de mim a fantasia/E a minha Vila Madalena contagia/Bate no peito, comunidade que impõe respeito”, além da boa condução que Juninho Branco traz no CD. Em outros anos esse samba poderia ser chamado de coisas melhores, mas num ano nivelado pra cima a escola fica devendo nesse quesito, o que pode fazer ela comer o pão que o diabo amassou que é desfilar novamente no Acesso em 2018. NOTA DO SAMBA: 9,7

Basta acreditar, querer e sonhar
Que tudo volta ao seu lugar


X-9 PAULISTANA — Rebaixada após 22 anos no grupo principal, a tricolor da Parada Inglesa planeja voltar a caminho correto após este deslize homenageando o pintor Inos Corradin. A ideia de transformar o artista num semideus grego é de uma forçada de barra ímpar (beirando ao que a Caprichosos fez com o finado cirurgião plástico Ivo Pitanguy) ao samba, o que ao menos poetiza mais a obra e a melodia. A letra é bastante irregular, alternando entre versos bons (como os 4 últimos versos) e outros esquisitos (como o “No sopro divinal, se torna um ser natural”). Os refrões são fáceis e funcionais, o que deve facilitar a vida da harmonia e dos componentes. Fora da Rosas de Ouro após 11 carnavais a frente do microfone principal, Darlan Alves canta o samba a plenos pulmões e imprime a sua marca na gravação do CD, tornando a faixa bastante agradável. Em um ano com enredos fortes, veremos se a X-9 terá fôlego para voltar ao seu merecido lugar. NOTA DO SAMBA: 9,8

Chega de mentir pra todo mundo
Que absurdo, assim não dá
Caímos num porão cheio de ratos
Somos palhaços nesse lugar


INDEPENDENTE TRICOLOR — Se você achou que o trecho acima foi tirado de algum rock criticando a atual sociedade, sinto lhe dizer que a Independente te enganou. Falando sobre mentiras, a tricolor do bairro da República traz um animado hino sobre as mentiras e enganações que existem na vida, sejam elas nos contos de fadas, na natureza ou em nosso congresso nacional. A letra explora muito bem o enredo, fugindo de lugares comuns e proporcionando versos como “Contra outro vigário, sai pra lá/Sou Independente, pode apostar”, “Os mentirosos aumentam um ponto/E todo conto se espalha depressa”. A melodia é bastante valente e se encaixa perfeitamente com o que a letra pede, o que faz com que o samba fique melhor ainda em trechos como o destacado acima e nos refrões (que por sinais também são fortes). Em seu segundo ano na escola, Rafael Pinah tem um bom entrosamento com o veterano Pê Santana. O 3º lugar do ano passado só gerou mais motivação para a escola de ascensão meteórica: 7 anos atrás a escola era campeã do Grupo 4 da UESP e se subir será a 4ª escola ligada a torcida organizada a desfilar na história do Grupo Especial. Que a terça-feira gorda não passe a perna na escola então. NOTA DO SAMBA: 10

Sou Barra Funda
Sou samba no pé
Gira baiana, seu gingado tem axé


CAMISA VERDE E BRANCO — “Orgulhosamente a Verde e Branco vai passar/Abram alas que a minha história eu vou contar”. 14 anos após a sua apresentação original, a tradicionalíssima escola do Largo da Banana recontará na avenida a história de João Cândido, líder do episódio histórico da Revolta da Chibata. A letra é forte e didática, narrando a história em primeira pessoa (“Sou o Almirante Negro, um bravo Feiticeiro/O Grande Dragão do Mar”) desde a infância do homenageado, passando pelos maus tratos sofridos pelos marinheiros até a própria dita revolta e a prisão de João Cândido na Ilha das Cobras após o governo selar uma falsa anistia com os revoltosos. Já a melodia não deve em nada às composições de hoje (14 anos é muita coisa, mesmo que o estilo de sambas de São Paulo não tenha mudado muito) e engrandece mais ainda o samba. Em seu primeiro ano no carnaval paulistano, Thiago Britto entoa corretamente o samba que originalmente foi levado para a avenida por Carlos Júnior. Se em 2003 a escola não obteve uma boa colocação (6º lugar), será que agora o Mestre Sala dos Mares vai trazer o tão esperado acesso para a escola? Só o mar de notas da terça-feira gorda dirão. NOTA DO SAMBA: 10


Meus olhos se perderam no horizonte
Esse quadro é o cenário que pintei pro Carnaval


IMPERADOR DO IPIRANGA — “Essa arte de bamba me coroou/Cabeça feita, sou Imperador”. Composto originalmente no temático e memorável carnaval de 2004, a Imperador do Ipiranga reedita o seu mais famoso samba, retratando e exaltando o histórico bairro do…Ipiranga. Mesmo que não tenha um grande rol de sambas exemplares, a escola da Vila Carioca produziu uma pérola tanto em letra (como no trecho acima) quanto em melodia (“E no Planalto, orgulho teu brilha também/Abençoado é o teu chão, meus parabéns”), trabalhada em tom menor e dando um ar “respeitoso” para a obra. Brilhante como sempre e merecendo uma vaga em alguma escola do Especial, Adeílton Almeida tem uma excelente atuação no hino outrora defendido por Moisés Santiago, deixando sua marca com seus tradicionais e divertidíssimos cacos ao longo do CD (“Morram de inveja”, “E quem for contra, tá censurado”, “Presidente, passa o cartão que no caminho te explico”, “Mete o pé na porta que eu vou passar”), com direito ao final da faixa falar para o carnavalesco da escola, Mauro Xuxa, que toda a sua turminha de baixinhos também está na Imperador do Ipiranga. Será que após todo esse tempo os jurados finalmente terão a cabeça feita para mandar a Vila Carioca de volta ao Grupo Especial? NOTA DO SAMBA: 10


Chegou
Em forma de Afoxé na passarela
Os filhos da Leandro de Itaquera
Axé pra quem tem fé, e quem não tem
Axé pra você também


LEANDRO DE ITAQUERA — “Ô, ô,ô/Eu vim de longe, cruzei mares, quem diria/ Ô, ô, ô/Sou Afoxé irradiando energia”. A mais antiga das reedições (28 anos desde a sua apresentação original ainda quando se desfilava na Avenida Tiradentes) e certamente um dos sambas paulistanos mais famosos, Babalotim é especial não só por ser o maior samba da Vermelho e Branco de Itaquera, mas também por iniciar uma marca que seria rotineira nos samba da Leandro: o sistema de 2 refrões seguidos, um “fechando” o samba e outro “abrindo” ele. A letra é primorosa e trata do Afoxé de maneira original, enquanto a melodia empurra o folião a cantar a plenos pulmões sem cansar, mesmo que o samba tenha inacreditáveis 5 refrões (algo ousado até para a safra de 1989). Estreante no Leão, Daniel Collete faz uma ótima releitura do samba defendido originalmente pela Eliana de Lima, deixando mais animado ainda a obra. Carregada de Axé e contando com um dos melhores sambas de enredo já feitos na Terra da Garoa, espero que Babalotim dê uma força para seus filhos da Leandro de Itaquera subirem para o Especial. NOTA DO SAMBA: 10

E faz a festa na Colorado do Brás
É muito bom, é bom demais!


COLORADO DO BRÁS — Também querendo brigar por uma vaguinha no Especial, a vermelho e branco do Pari vem cantando sobre a “Roliúde” nordestina inspirada no livro homônomo de Homero Fonseca. Nela, o protagonista Severino (mais conhecido como Bibiu) retrata o cenário de seu sertão como as grandes produções que vê na telona. Essa mistura fez muito para a escola, que conta com samba qualificadíssimo e animado para balançar os brios da arquibancada e dos componentes. A primeira parte narra a vida de Bibiu até a sua “epifania” de criar as super produções com tempero nordestino, com destaque para “Quando o talento entra em cena a brilhar/É o dom de contar e encantar” que desemboca em um contagiante (e por que não exótico) “Ôôôô Roliúde vem aí”. Já a segunda parte mostra as cenas feitas naquele lugar, destacando-se tanto em letra quanto em melodia os versos “Pode avisar aos navegantes que é hora de partir/Vem o luar feito um Cordel que lá do céu vai reluzir…”. Na escola desde 2012, Chitão Martins tem uma condução segura e correta do samba, preferindo valorar mais a obra utilizando menos cacos. Se a Colorado fizer na avenida o que fez com o samba, podemos dizer que o filme vermelho e branco terá um final feliz que não se via a muito tempo. NOTA DO SAMBA: 10

Se para um bom entendedor um pingo é letra
Minha coruja vai passar


ESTRELA DO TERCEIRO MILÊNIO — Depois de um injusto rebaixamento em 2015 e um junto título em 2016, a Coruja do Grajaú volta ao Grupo de Acesso falando os símbolos que dizem mais coisa que as próprias palavras. Se para bom entendedor um pingo é letra, não preciso deixar nas entrelinhas que este samba é mais fraco tanto entre os sambas originais quanto de toda a safra. A construção da letra é um tanto confusa e tenta colocar diferentes simbologias em um mesmo local, o que complica o entendimento (como em versos “Mas a justiça é cega, a cruz é vida”), além de cair em lugares comuns como o refrão central e o verso “Milênio campeã do carnaval” que não é lá uma construção muito poética. A melodia é aceitável, mas não desperta aquela vontade de ficar escutando o samba. Estrando na escola, o experiente Vaguinho contribui para fazer a faixa ficar mais “despulável”, mesmo que o desejo de fazer esse ato seja ainda considerável. Abrir o carnaval nunca é uma tarefa fácil e espero que a Terceiro Milênio saiba o simbolismo disso para não sofrer outro rebaixamento. NOTA DO SAMBA: 9,6

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