Um dia vermelho e branco

(por Carlos Alberto)

Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1997.

Naquela quarta-feira de cinzas, se decidiria a campeã daquele carnaval. Nas ruas e na imprensa a opinião era dividida: de um lado a estrela-guia, então detentora do campeonato passado, que "de corpo e alma" fez uma bela exibição, todavia alguns descompassos poderiam lhe tirar o bicampeonato; do outro uma surpresa que vinha lá do outro lado da Guanabara, que contava com a arte e o talento do gênio João, com uma brilhante e inesquecível apresentação, um "big bang" que nunca se viu, um "Big bang" que incendiou o povão da Sapucaí e fora agraciado com o Estandarte de Ouro. Haviam outras no pário, mas quem poderia tirar a taça de uma das duas? Um olimpo verde e rosa? Ou então as loucuras vindas de um pavilhão em São Gonçalo? No abrir dos trinta e seis envelopes (dezoito deles valeriam para o computo final) tudo poderia acontecer. Com as torcidas presentes, apesar de não serem de todas as dezesseis escolas que riscaram o chão da Marquês nos dois dias, a Praça da Apoteose - local onde ocorre o encerramento dos desfiles - estava preparada para o anúncio da vencedora de mais um desfile do Grupo Especial.

Exatamente às quinze horas e quarenta e dois minutos daquela ensolarada tarde, típica do verão carioca, as notas começaram a ser lidas, e logo de cara (para alguns) uma surpresa: os defensores do pavilhão verde e branco levaram nota nove... mas só foi um susto, outras três notas dez eliminaram quaisquer chances de despontuação. Ao fim das primeiras quatro notas, oito despontavam na liderança, mas só estava no começo, só no começo... dois quesitos a frente, uma já tinha ficado pelo caminho, no item seguinte, outras três derraparam, e só foi chegar a evolução para acabar com a festa nilopolitana e silenciar o piano leopoldinense. Pronto, restavam as duas favoritas: ou era Mocidade ou era Viradouro, ou era bicampeonato ou era título inédito. Só que aí... Padre Miguel teve uma surpresa ingrata: como naquela canção de Jorge Aragão, "teve um dez na Fantasia mas perdeu em Harmonia", pra ser mais exato, duas notas nove e meio foram suficientes para tirar a Mocidade da briga. A taça estava mudando sua rota, saindo da zona oeste, tomando a direção da Perimetral e cruzando a Ponte a caminho da Avenida do Contorno. No samba-enredo, tudo igual entre as duas - inclusive, perdendo meio ponto que fora descartado pelo regulamento. E finalmente, chegou o último quesito...

A Bateria, considerada o "coração da escola" decidiria mais um carnaval - haja vista que a ordem de leitura dos quesitos era pré-determinada, diferente de hoje, que é por sorteio. Para a Furacão Vermelho e Branco, que ousou e inovou com a paradinha funk, criticada por aqueles que não são adeptos a novidades e que quase não fora executada já que Monassa (presidente da época) era contra, bastavam apenas três notas máximas para o campeonato. Para a Não Existe Mais Quente, um milagre seria preciso para a taça voltar para o caminho de Padre Miguel. Nos dois primeiros jurados, tudo caminhava muito bem para o lado niteroiense, só que o roteiro daquela apuração reservara momentos de aflição: uma surpreendente nota nove para a Viradouro e o dez para a Mocidade deixava a decisão para o último jurado. Em Padre Miguel, chama reacesa. Em Niterói, tensão. Às 17 horas e 21 minutos daquela tarde foi aberto o último envelope. Não teria volta, a definição da escola detentora do campeonato teria que ser ali. Seguiu-se a leitura: Rocinha 10, Tijuca 8.5, Porto da Pedra 9.5, Império Serrano 9.5, Grande Rio 9, Mangueira 10, Imperatriz 10, Salgueiro 10... e as últimas esperanças de Padre Miguel acabaram após a nota da Santa Cruz, quando Perlingeiro leu o 10 que sacramentou o primeiro campeonato da Viradouro. Tava escrito nas estrelas: a taça tinha que ir pra Niterói. Parece que os deuses do carnaval não quiseram que um desfilaço daqueles terminasse de mãos vazias.

1997 é o ano que aquele o niteroiense que veste vermelho jamais irá esquecer. Foi um campeonato que levou Joãosinho Trinta das trevas de uma isquemia à luz de uma glória que não conquistava há quatorze anos, que levou uma comunidade da desilusão de um décimo terceiro lugar à vibração de um campeonato inédito - aliás, ninguém superou tal feito até hoje. Levou um mestre de bateria que "com o diabo no corpo" expulsou seguranças enviados pelo próprio presidente e fez a batida funk que levou o povão da Marquês ao delírio, levou a Viradouro de um desfile que começou com "O nada" para a "explosão de alegria" de uma vitória que o Barreto e Niterói inteira ainda saboreia duas décadas depois. Ali perto, no Fonseca, 56 dias depois da conquista, um menino nascia, e por essas voltas que a vida dá, aquele menino que veio ao mundo quase dois meses do triunfo vermelho e branco hoje escreve sobre o título mais importante da história do pavilhão que ele aprendeu a amar. Não teria honra maior do que poder relatar aquele que foi o dia em que uma cidade inteira festejou de uma forma nunca antes vista, o dia em que o big-bang virou de fato e direito uma explosão de alegria de um dia vermelho e branco.

(Quem dera que aquele 12 de fevereiro de 1997 pudesse se repetir num futuro não tão distante...)



Um comentário:

  1. Mais um brilhante texto, parabéns Cazalberto e, principalmente, parabéns Viradouro!

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